Quem chegava hoje de manhã no hotel Maritim, onde acontecem as negociações de clima, era recebido por ativistas segurando uma faixa onde estava escrito “bonn polluters” (poluidores de Bonn) e distribuindo um adesivo escrito “bonn procrastination” (procrastinação de Bonn), fazendo clara referência à British Petroleum (BP). Por ser a petrolífera responsável pela mais recente catástrofe ambiental envolvendo vazamento de petróleo, após a explosão e afundamento de uma de suas plataformas localizadas no Golfo do México, a empresa foi escolhida para evidenciar a atuação do setor petrolífero nas negociações da Convenção Quadro da ONU sobre Mudança do Clima (UNFCCC). Desde o início, lobistas do setor circulam pelos corredores, evitando chamar atenção, e tem como porta-vozes os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), que frequentemente sabotam um possível acordo. Dessa vez, não foi diferente.

Ontem, durante a reunião de encerramento do órgão da Convenção responsável por prestar assistência científica e tecnológica (SBSTA), não foi possível atingir consenso sobre o item 9 da agenda, que trata dos aspectos cientifícos, tecnológicos e socioeconômicos da mitigação das mudanças climáticas. Os pequenos países insulares (AOSIS), com o apoio dos países menos desenvolvidos (LDCs) e União Europeia, entre outros (Austrália, Noruega, África do Sul), propuseram solicitar ao secretariado preparar um documento técnico sobre as opções para limitar o aumento médio da temperatura global em 1,5 e 2 graus centígrados.

A Arábia Saudita, apoiada pelo Kuwait, Qatar e Venezuela (pois é, nesse momento, o país esqueceu sua solidariedade com os países mais vulneráveis e vítimas dos capitalistas do Norte e lembrou que grande parte das receitas do seu PIB vem do petróleo), declarou-se contra a elaboração desse relatório, chegando até a sugerir que os países usassem o Google para saber mais sobre o assunto. Essa posição dos países da OPEP causou grande desconforto dentro do G77 (aliás, não entendo como um bloco que representa quase todos os países em desenvolvimento do planeta, de AOSIS a OPEC, pode ter uma posição conjunta sobre clima). Os países partiram para consultas informais, mas não conseguiram chegar em um consenso, provocando a suspensão da sessão para hoje.

A AOSIS só estava pedindo que um relatório fosse elaborado, não que se adotasse um acordo para limitar o aumento da temperatura em 1,5 grau centígrado.

Hoje, a sessão foi retomada com a Venezuela falando que apoiava a elaboração do paper (lógico, sabia que seus colegas da OPEP iam bloquear de qualquer jeito). Em seguida, a Arábia Saudita falou que não ia adiantar nada continuar discutindo esse assunto porque não iam mudar de posição e propôs que essas discussões sejam retomadas em Cancún, durante a CoP-16, quando o SBSTA também se reúne. Barbados, pela AOSIS, perguntou por onde anda a solidariedade e fraternidade entre os países em desenvolvimento e disse que as negociações não são um jogo e a Bolívia perguntou como é possível que não sejam capazes nem mesmo de entrarem em consenso para elaborar um relatório.

Também gostaria de ver essas perguntas respondidas, bem como essa aqui: o que vai fazer os países da OPEP mudarem de posição daqui a seis meses?

No fim da tarde, Kuwait, Omã, Arábia Saudita e o Qatar ganharam o prêmio Fóssil do Dia, dado para os países que menos contribuíram para o avanço das negociações hoje.

Posso ser linchada pelo que vou falar agora, mas vou falar do mesmo jeito, para criar polêmica. É muito fácil e simplista enxergar mocinhos e vilões nesse debate. Constantemente demonizamos os países cujas economias dependem da exploração de petróleo, sem parar para pensar nas consequências que a tal transição para uma economia de baixo carbono vai trazer para esses países. A maior parte da economia desses países gira em torno disso, portanto, é lógico e completamente legítimo que eles ocupem seus espaços em um fórum que está debatendo justamente um corte radical no uso de petróleo no mundo. O que não é aceitável, do meu ponto de vista, é que a Arábia Saudita (e outros países) se comporte como vítima das mudanças climáticas, sabote as negociações, como fez hoje, e não aceite sair do status quo, aceitando explorar outras fontes de recursos para sua economia. Isso é absurdo! Chegaram até a dizer, no sábado, que os combustíveis fósseis são vítimas das mudanças climáticas e constantemente manifestam que querem fazer parte dos fundos de adaptação porque, de acordo com eles, vão ter que se adaptar às mudanças climáticas tanto quanto os pequenos países insulares, países menos desenvolvidos…

  • Natalie

    Ju, acho bacana vc levantar esse debate de “cara limpa”. A postura chantagista da Arábia Saudita é obscena mas abre a questao dos limites da exploracao de reservas de petroleo (a fronteira atual é o Ártico, e regioes politica e ecologiamente sensíveis, como a Amazonia) e de uma possível compensaçao pela nao utilizacao desses recursos fósseis. O célebre caso do Parque do Yasuni, no Equador, é um emblema nesse sentido, mas ninguém ainda consegui equacionar o que fazer com os donos de reservas grandes (nem o Brasil, nao é?).

    A questao é que a Arábia “bota todo mundo no bolso” sempre que deseja… e a pergunta é: porque nenhum poderoso dá um enquadro nela? Será que é porque está realmente preocupado com as consequencias de menor exploracao de petróleo para a economia saudita? hm… duvido. Parece que há quem goste da postura pouco colaborativa. E a Venezuela explicita bem (mas atua mal) no mesmo sentido.

    Outro ponto que me chama atençao é que dimensionar as consequencias da diminuicao de producao e abastecimento de petroleo somente nos países produtores me parece nao somente egoista, mas tb miope se nao comparado com as atuais consequencias nefastas que se impoem hoje aos paises pobres nao-produtores .

    Tomemos por exemplo o caso da Etiópia: esse país nao produtor utiliza grande parte de suas receitas para importar petroleo. A depender do valor do barril, esse percentual é obsceno. Em 2008, no auge do preço do barril, a Etiópia chegou a utilizar 80% dos recursos advindos de receitas de exportacao para importar “o ouro negro”.
    Sua economia é basicamente de outro ouro negro: o café. Flutuaçoes no mercado internacional sao fonte de vulnerabilidade.
    Mas e se o petróleo fosse taxado, quem ia pagar a conta: a Etiópia consumidora? A quase vizinha Arábia produtora?
    Queria ouvir mais sobre essa tal taxaçao sobre emissoes que volte e meia aparece nas negociacoes, mas que ninguem ainda conseguiu desdobrar em algo concreto (nem a França, fiel promotora da idéia)

  • http://adoptanegotiator.org/members/juliana-russar/ Juliana Russar

    Nat,

    Obrigada pela contribuição ao debate (espero que mais pessoas comentem…). Também acho que é muitíssimo cômodo caírem em cima só da Arábia Saudita, sendo que ninguém ousa tocar na OPEP e na flutuação do preço do petróleo e ninguém abre mão de consumi-lo e muito menos de explorá-lo, mesmo diante de todo esse cenário. O caso do pré-sal no Brasil é emblemático. Logo logo (senão já), eles vão ter que fazer uma escolha e parar com essa hipocrisia.

  • http://jrussar.wordpress.com/2010/06/10/sobre-sabotagem-e-procrastinacao/ Sobre sabotagem e procrastinação « Blog da Juliana Russar

    [...] Publicado originalmente em adoptanegotiator.org [...]

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