2010 + negociações de clima = mais do mesmo?
Posted on 09. Apr, 2010 by Juliana Russar in Brazil
O post ficou longo de novo, se não tiver paciência de ler tudo de uma vez, o texto está dividido em partes.
Previously on Adopt a negotiator…
Para falar sobre o pós-Copenhague, vou voltar para a fatídica sexta-feira, 18 de dezembro de 2009, último dia da CoP-15, que acabou se estendendo até sábado à tarde. Apenas 300 representantes da sociedade civil foram autorizados a entrar no Bella Center naquele dia. Eu não estava entre eles, então fiquei acompanhando pela TV, webcast, e-mail e twitter o que acontecia lá dentro, mas nem quem estava no centro de conferência conseguia obter informações. Resumindo (quem quiser mais detalhes pode ler meus posts anteriores): um “acordo” foi feito na surdina e boatos corriam solto por Copenhague. O mínimo de esperança que restava sobre o sucesso da Conferência desapareceu. Todo o processo de dois anos de negociações no âmbito das Nações Unidas, marcado pela transparência e por considerar todos os países igualmente, foi atropelado pela reunião de cúpula dos líderes mundiais da onde saiu o tal “Copenhagen Accord”, uma DECLARAÇÃO POLÍTICA (não se deixem enganar pelo nome do documento) de 5 páginas, sendo que 2 são tabelas EM BRANCO para os países preencherem as colunas com seus nomes, redução de emissões até 2020 e ano-base (para os países desenvolvidos, também conhecidos como Anexo I) e ações de mitigação dos países em desenvolvimento. Até agora é difícil de acreditar que a CoP-15 (ou melhor, uma reunião paralela à CoP-15) teve esse texto como resultado. No mínimo, tinha que ter produzido um acordo à altura da maior reunião da história das Nações Unidas, ou seja, um acordo justo, ambicioso e legalmente vinculante.
É claro que quando o Copenhagen Accord foi apresentado na plenária de encerramento da CoP-15 vários países condenaram o conteúdo, quer dizer, a ausência de conteúdo e senso de urgência no documento, a total falta de transparência e inclusão do processo. Como um documento produzido em um encontro paralelo do BASIC (Brasil, Índia, China e África do Sul) e EUA (Obama entrou na sala da reunião sem ser convidado e deu seus pitacos…), sem a presença de todos poderia se tornar um decisão da CoP-15? Eles bem que tentaram legitimar o texto apresentando-o para 26 países representativos dos blocos existentes nas negociações, mas como não houve consenso a Conferência das Partes apenas tomou nota do Acordo, ou seja, nem uma decisão da CoP ele é.
Pausa 1 para lembrarmos do grande momento do fraquíssimo e desastrado primeiro-ministro dinamarquês pedindo para quem estivesse de acordo levantar as mãos, depois ser alertado que as decisões no âmbito da ONU acontecem por consenso, seguido pela sua confissão de desconhecimento das regras de procedimento da ONU – o microfone ficou ligado e deu para ouvir).
Pausa 2: Ontem, estava conversando com um amigo e ele disse que a CAN (Climate Action Network) ao longo de 2009 pensou em todos os cenários possíveis para Copenhague e planejou ações em cima disso: ruptura – novo acordo legalmente vinculante e decisão sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto; fundação: definição de elementos centrais como metas, ano base, ano de pico das emissões; greenwash, colapso. Ninguém tinha previsto o cenário “bagunça total”.
Voltando…Depois de tudo isso, não tinha força física nem mental para escrever a respeito. Expressei meus sentimentos, publicando o atestado de óbito da CoP-15. Ainda por cima, tive que passar alguns dias em Copenhague depois do fim da CoP, pois quando fiz a reserva das passagens achei que seria uma boa ideia ficar uns dias por lá para conhecer a cidade e descansar. Confesso que foram dias muito melancólicos, andava pela cidade, fazia muito frio e tudo me lembrava o desastre da Conferência. Encontrei colegas e conhecidos, todos muito chateados e exaustos. Não vou me esquecer nunca de que no último dia que estava lá ouvi uma música que falava “I know it’s a wonderful world but I can’t feel it right now” e me identifiquei completamente.
2010
Pois é pessoal, o tão sonhado “acordo justo, ambicioso e legalmente” não foi produzido em Copenhague. Após 4 meses, os países-parte da Convenção do Clima (UNFCCC) e a sociedade civil precisam superar a CoP-15 e olhar para a frente. Como dizia a faixa na frente do Hotel Maritim, onde foram retomadas hoje as negociações de clima, “hora de recolher os cacos” (“time to pick up the pieces”). Na frente da faixa, havia 4 toneladas de vidro quebrado simbolizando os 4 graus de aumento da temperatura média global se forem mantidas as metas de redução de emissões submetidas por vários países-parte (118) da UNFCCC, como solicitava o “acordo” de Copenhague (o famigerado Copenhagen Accord, mencionado acima), que também fazia referência à necessidade de limitar o aumento médio da temperatura do planeta em 2 graus.
Precisamos tirar lições dos acontecimentos de dezembro e mudar nossas estratégias sem esquecer, claro, que o senso de urgência não pode ser esquecido de maneira alguma. Este é o momento que temos para reconquistar a confiança dos países em desenvolvimento. A reunião de Bonn não trará muitas novidades em termos de conteúdo e anúncios, infelizmente. O que se espera desse encontro é a definição do plano de trabalho para o resto do ano, ou seja, quantas sessões além das já programadas (uma em junho também em Bonn, onde fica o secretariado da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, e a 16ª. Conferência das Partes da UNFCCC, no final do ano, em Cancún no México) vão acontecer, o tempo de duração dessas sessões, que temas serão abordados, ou seja, é um encontro sobre o processo.
Ao longo desse primeiro dia, os países declararam que são necessários 2 ou 3 encontros entre junho e a CoP-16 (G-77 e China desejam que essas sessões ocorram em Genebra e Nova Iorque, onde estão localizados os escritórios da ONU, para possibilitar a maior participação de todos os países). Entre os países em desenvolvimento (LDCs, AOSIS, G77+China, Grupo Africano) predominaram discursos enfatizando que é no âmbito das Nações Unidas que um novo acordo deve ser negociado (não no G-20, não no Fórum das Maiores Economias sobre Energia e Clima – MEF). Além disso, ressaltaram que os dois trilhos das negociações (AWG-LCA: discussões sobre ações de longo prazo para países em desenvolvimento e desenvolvidos que não fazem parte do Protocolo de Quioto, ou seja, os Estados Unidos e AWG-KP: discussões sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto) devem ser mantidos e que o abandono do Protocolo de Quioto está fora de cogitação (ainda mais em detrimento do Copenhagen Accord). Outro tema em discussão foi que textos serão usados como base para os trabalhos em 2010. Muitos defenderam o uso dos relatórios do AWG-LCA e AWG-KP produzidos a partir do encontro de dezembro. No entanto, a nova chair do LCA, Margaret Mukahanana-Sangarwe (Zimbábue) falou que vai produzir um novo texto de negociação para Bonn 2, em junho, o que gerou protestos de países como a Venezuela e Bolívia. Além disso, a chair quer que as discussões se concentrem apenas em 1 contact group, ao contrário dos diversos existentes até a CoP-15.
Outro assunto é o que fazer com o Copenhagen Accord (CA), já que ele não faz parte formalmente do processo das Nações Unidas, mas está sendo defendido com unhas e dentes pelos Estados Unidos, pois, de acordo com eles, o acordo representa um marco no combate às mudanças climáticas. Jogá-lo no lixo? Incorporá-lo nas negociações? Mas como aproveitá-lo? Como superar o problema de que foi produzido fora das negociações da ONU? De fato, o acordo vem ganhando crescente importância, já que conseguiu juntar mais de 100 países, que representam mais de 80% das emissões globais (o protocolo de Quioto agrega só 30%), inclusive EUA, Brasil, Índia, China, África do Sul e Indonésia. No entanto, o “acordo” é bastante frágil. Por exemplo, propõe a criação de um Fundo Climático porém, para ser administrado pela UNFCCC precisa de uma decisão da CoP. Ademais, os países desenvolvidos se comprometem a doar US$30 bilhões entre 2010 e 2012 para adaptação e mitigação e depois US$100 bilhões até 2020, mas é muito vago e não detalha como isso vai acontecer, com quanto cada um vai contribuir, nem fala da onde virão os recursos. Nesse sentido, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, estabeleceu um grupo de alto nível sobre financiamento climático, co-liderado pelo primeiro-ministro da Inglaterra e pelo primeiro-ministro da Etiópia.
Brasil
Encontrei os 6 negociadores brasileiros presentes aqui em Bonn e não há nada de novo no front. O Embaixador Figueiredo continua sendo o chefe da delegação e, além dele, estão aqui André Odenbreit Carvalho (MRE), Sergio Serra (MRE), Thelma Krug (INPE), Marcelo Rocha (MCT) e Miguez (MCT). As dúvidas que ficam a respeito do Brasil no momento são: como o Brasil vai equilibrar sua participação no BASIC e no G77+China? Como o Brasil e a África do Sul vão conseguir influenciar Índia e China para que esses passem a assumir posições mais ambiciosas e construtivas nas negociações? Até que ponto o Brasil vai aceitar que seja alcançada uma decisão isolada sobre REDD na CoP-16 sem um acordo completo? No plano doméstico: as mudanças climáticas serão integradas aos discursos dos candidatos à presidência da República? Marina, Serra e Dilma montaram seus palanques em Copenhague… E as discussões no Congresso sobre o Código Florestal vão se chocar com o objetivo de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia até 2020?
Além disso, temos desde dezembro uma lei que estabelece o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima que, desde então aguarda regulamentação, bem como a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) que estabeleceu um compromisso nacional voluntário (como pode ser voluntário se virou lei?) de redução das emissões de gases de efeito estufa entre 36,1% e 38,9% projetadas até 2020. Seu parágrafo único diz: “a projeção das emissões para 2020 assim como o detalhamento das ações para alcançar o objetivo expresso no caput serão dispostos por decreto, tendo por base o segundo Inventário Brasileiro de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal, a ser concluído em 2010″. Esperamos ansiosamente a publicação desse inventário. Aguardamos também a revisão do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, prometida para o primeiro semestre desse ano.
Reflexão
“Assim caminha a humanidade, com passos de formiga e sem vontade…”
O tempo continua passando e as emissões de gases de efeito estufa, de acordo com os últimos estudos científicos, devem atingir seu pico entre 2015 e 2017 e serem reduzidas drasticamente com objetivos de médio e longo prazo para impedir mudanças climáticas catastóficas. Como vamos conseguir isso? Eu acredito que só com cooperação internacional por meio de um processo realizado no âmbito da Organização das Nações Unidas que, vamos deixar as críticas de lado agora, é o único fórum que tem legitimidade e capacidade de preservar ao máximo os princípios do multilateralismo, inclusão e transparência. Quem deve liderar as discussões, e mais importante, as AÇÕES de mitigação, adaptação, transferência de recursos financeiros e transferência de tecnologia? Os países desenvolvidos porque são eles que ao longo da história emitiram mais gases de efeito estufa e se beneficiaram disso para se desenvolver.
Nada do que falei é novidade e também nada do que os negociadores dos diversos países que integram a UNFCCC e estão aqui em Bonn estão dizendo é novidade. Quando eles vão parar de falar e decidir alguma coisa? Por que é tão difícil partir para a ação? Por que eles arrastam essas reuniões há anos sem decidir nem avançar em nada? Por que os países desenvolvidos sempre falam que estão comprometidos, mas não apresentam nada concreto (pelo contrário, agora querem minar o Protocolo de Quioto)? Se nunca vão chegar a um acordo, porque não decidem pela extinção da Convenção de clima? Assim ninguém mais precisa acreditar, pressionar e ter expectativas de que algum dia em breve vão se engajar de fato no combate às mudanças climáticas… Até quando vão habitar e alimentar esse universo paralelo que insiste em não ver o que já está acontecendo?
Infelizmente, não tenho a resposta para essas perguntas, mas desconfio que tenha algo a ver com o complexo conceito de “interesse nacional” e o egoísmo humano. O que os países não percebem é que se comportando dessa maneira estão levando todos os serem humanos e suas economias cada vez mais para a beira do precipício por causa de um problema que simplesmente não está nem aí para a geografia política do planeta, quanto menos para a psicologia humana. TODOS serão afetados, principalmente as populações mais pobres dos países do Sul global, que pouco contribuíram para o aquecimento global, mas dependem da agricultura e não estão preparadas, nem possuem recursos para se adaptar à ocorrência cada vez maior de eventos climáticos extremos (tempestades, secas, furacões). É justo que essas populações vulneráveis não tenham acesso a recursos apropriados e tecnologias que possibilitem sua adaptação? É justo que a humanidade se auto-extermine?
Sabe, tenho medo de um dia me conformar com tudo isso e começar a aceitar que as coisas são simplesmente assim.
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http://www.oestadoce.com.br/ Pedro Paulo Rego
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http://globalvoicesonline.org/ Diego Casaes
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http://jrussar.wordpress.com/2010/04/09/2010-negociacoes-de-clima-mais-do-mesmo/ 2010 + negociações de clima = mais do mesmo? « Blog da Juliana Russar
Negotiator Tracker - Juliana Russar
Juliana mora em São Paulo e sempre foi apaixonada por pol�tica internacional e desenvolvimento. Não por acaso, ela se formou em Relações Internacionais e fez especialização em Meio Ambiente. Desde 2007, tem acompanhado as negociações internacionais sobre mudanças climáticas ... leia mais»
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