O Brasil na corrida para o futuro
Posted on 23. Nov, 2010 by Juliana Russar in Brazil, bits
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“Eu não consigo entender porque as pessoas estão com medo de novas idéias. Tenho medo das antigas.” (John Cage)
Mês passado, o Brasil elegeu a primeira mulher presidente da República, Dilma Rousseff, candidata e sucessora do presidente Lula, que assumirá o poder em janeiro de 2011. O que podemos dizer da relação de Dilma com as mudanças climáticas?
Bom, não é segredo para ninguém que ela sempre bateu de frente com as demandas do Ministério do Meio Ambiente e que ela foi contra o Brasil assumir metas de redução voluntárias perante a comunidade internacional para a CoP-15. E, como eu sempre gosto de lembrar, a então chefe da delegação brasileira em Copenhague disse que o meio ambiente é um obstáculo ao desenvolvimento sustentável. Apesar da visão desenvolvimentista, a mesma Dilma se apropriou dessas metas de redução no último debate eleitoral, quando finalmente os candidatos falaram brevemente sobre mudanças climáticas.
Em seu primeiro pronunciamento como presidente eleita, Dilma nem tocou no tema, mostrando que o assunto permanece marginal e que, infelizmente, a nova presidente da República ainda não atualizou seu discurso incluindo os desafios do século XXI. As prioridades permanecem as mesmas: combate à pobreza, saúde, educação, emprego, moradia. Certamente, são temas essenciais para o nosso desenvolvimento, mas que possuem uma relação de interdependência e, se os impactos das mudanças climáticas permanecerem ignorados, podem afetar todas as conquistas dessa agenda. Como já disse em um post anterior, é fato que houve avanços, mas ainda falta vontade política e maturidade no governo para lidar com o tema, ressaltando que são pouquíssimos países no mundo que tratam mudanças climáticas com seriedade.
Não temos como saber como Dilma tratará o tema, mas sabemos que ela não poderá ignorá-lo, nem voltar atrás, já que possuímos vários instrumentos para monitorar e cobrar o governo, como a lei da Política Nacional sobre Mudança do Clima.
Na reunião anual do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas com sua presença, que acontece geralmente um pouco antes das CoPs, o presidente Lula, sempre hábil em seus discursos, disse:
O combate ao aquecimento global é, sim, compatível com o crescimento econômico sustentável e com o combate à pobreza e à desigualdade.
Porém, na mesma ocasião, falou sobre o pré-sal fora do contexto das mudanças climáticas, deixando de lado sua inclusão nos Planos Setoriais de Mitigação e de Adaptação em Mudança do Clima:
E vamos fazer porque nós não queremos que a Petrobras seja exportadora de óleo cru, com o pré-sal. Nós queremos que ela exporte derivados de petróleo e, para isso, ele tem que ser padrão internacional, que gringo nenhum bote defeito, da melhor qualidade.
No dia 31/10, Dilma disse em seu discurso:
Trataremos os recursos provenientes de nossas riquezas sempre com pensamento de longo prazo. Por isso trabalharei no Congresso pela aprovação do Fundo Social do Pré-Sal. Por meio dele queremos realizar muitos de nossos objetivos sociais.
Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.
O Fundo Social é mecanismo de poupança de longo prazo, para apoiar as atuais e futuras gerações. Ele é o mais importante fruto do novo modelo que propusemos para a exploração do pré-sal, que reserva à Nação e ao povo a parcela mais importante dessas riquezas.
…
A visão moderna do desenvolvimento econômico é aquela que valoriza o trabalhador e sua família, o cidadão e sua comunidade, oferecendo acesso a educação e saúde de qualidade. É aquela que convive com o meio ambiente sem agredí-lo e sem criar passivos maiores que as conquistas do próprio desenvolvimento.
Ou seja, como eu disse, o assunto permanece marginal, só é tratado em fóruns temáticos e de maneira superficial. E, aparentemente, os recursos provenientes do pré-sal se tornaram a panaceia para todos os problemas do país e, pela fala da presidente eleita, os passivos ambientais criados pela sua exploração serão justificados pelas conquistas do desenvolvimento.
A inserção do Brasil em um cenário de crescimento de baixo carbono e a implementação de políticas de adaptação às mudanças climáticas não são supérfluos, mas uma necessidade. Esse ano, tivemos mais de 40 dias consecutivos de chuvas em São Paulo durante o verão e dias extremamente secos e poluídos no inverno. Lembremos também das chuvas que afetaram o Rio de Janeiro e o nordeste, geadas no sul do país fora de época. A tendência é que eventos extremos como esses se tornem cada vez mais frequentes e intensos causando não só perdas humanas, mas também prejuízos econômicos.
Em outro trecho de seu discurso, Lula falou sobre as emissões crescentes de outros setores da economia além da mudança de uso do solo e agricultura (que correspondem juntos a 80% das emissões brasileiras de gases de efeito estufa), porém, não entrou em detalhes do que o Brasil está fazendo ou fará para desacelerar o crescimento das emissões desses setores:
Nós temos um problema, que na hora que a gente vai conseguindo controlar o desmatamento e a economia vai crescendo, nós vamos trocando a emissão pelo desmatamento, pela emissão industrial. E aí é preciso que a gente comece a fazer as coisas enquanto é tempo de fazer, para a gente crescer junto, para a gente crescer industrialmente junto, a gente se desenvolver, mas para a gente poder também dar lição ao mundo de que nós sabemos fazer as coisas melhor do que eles fizeram.
O gráfico abaixo mostra o crescimento das emissões de CO2 dos setores de energia e processos industriais. Sabe-se que as emissões relacionadas à mudança de uso do solo caíram drasticamente a partir de 2005, devido a uma série de fatores, como a crise econômica e execução de políticas de comando e controle mais eficazes e exigência de licenciamento ambiental para concessão de crédito agrícola. Mas estaria o governo disposto a bater de frente com as alas conservadoras dos setores de energia e indústria?
Foram lançados dois estudos esse ano que deveriam estar na mesa de cabeceira de todos os tomadores de decisão do país.
O primeiro deles é o relatório Economia da Mudança do Clima no Brasil: custos e oportunidades, inspirado no relatório Stern e uma iniciativa de várias instituições de pesquisa do país coordenada pela FEA/USP e COPPE/UFRJ. Resumindo muito, de acordo com o relatório:
- O Brasil corre o risco de perder entre R$ 719 bilhões e R$ 3,6 trilhões em 2050, caso nada seja feito para reverter os impactos das mudanças climáticas, comprometendo um ano inteiro de crescimento;
- As regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste) são também as mais vulneráveis e o custo de inação hoje aprofundará as desigualdades regionais e de renda;
- A geração de energia hidrelétrica seria comprometida, principalmente no Norte e Nordeste, com redução de 31,5% a 29,3% da energia firme;
- A estimativa dos valores materiais em risco ao longo da costa brasileira, considerando o pior cenário de elevação do nível do mar e de eventos meteorológicos extremos, é de R$ 136 bilhões a R$ 207,5 bilhões;
- A agricultura será afetada e, com exceção da cana-de-açúcar, todas as culturas sofreriam redução das áreas com baixo risco de produção, em especial soja (-34% a -30%), milho (-15%) e café (-17% a -18%).
O estudo recomenda:
- Investimento em torno de R$ 1 bilhão por ano em pesquisa sobre melhoramento genético em culturas agrícolas.
- Instalação de capacidade extra para gerar energia, de preferência com geração por gás natural, bagaço de cana e energia eólica, a um custo de capital da ordem de US$ 51 bilhões a 48 bilhões.
- Implementação de ações de gestão costeira e outras políticas públicas que somariam R$ 3,72 bilhões até 2050, ou cerca de R$ 93 milhões por ano.
- Estabelecimento de um preço médio de carbono na Amazônia de US$ 3 por tonelada, ou US$ 450 por hectare, que desestimularia entre 70% e 80% da pecuária na região. Ao preço médio de US$ 50 por tonelada de carbono, seria possível reduzir em 95% o desmatamento.
- A substituição de combustíveis fósseis poderia evitar emissões domésticas de 92 milhões a 203 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2035. Exportações de etanol acrescentariam de 187 milhões a 362 milhões de toneladas às emissões evitadas em escala global.
- A taxação de carbono entre US$ 30 e US$ 50 por tonelada de carbono reduziria as emissões nacionais entre 1,16% e 1,87% e resultaria em uma queda no PIB entre 0,13% e 0,08%.
- Tomando como referência o Plano Nacional de Energia 2030, o potencial estimado de redução de emissões seria de 1,8 bilhão de toneladas de CO2 acumuladas no período 2010-2030. Com uma taxa de desconto de 8% ao ano, o custo estimado seria negativo, ou seja, haveria um ganho, ou benefício, de US$ 34 bilhões em 2030, equivalentes a US$ 13 por tonelada de CO2.
O Estudo de Baixo Carbono para o Brasil foi elaborado pelo Banco Mundial e, também resumindo, diz que:
- Serão necessários em média R$ 44 bilhões (US$ 20 bilhões) a mais por ano em investimentos para se implementar um cenário de baixo carbono no Brasil até 2030, mantendo os objetivos de desenvolvimento fixados pelo governo brasileiro para esse período, sem qualquer impacto negativo sobre o crescimento ou a geração de empregos. Assim seria possível reduzir em 37% as emissões brutas de gás do efeito estufa ao longo do período de 2010-2030;
- A implementação das opções do Cenário de Baixo Carbono de 2010 a 2030 exigiria US$ 725 bilhões (em termos reais), mais do que duas vezes o volume de financiamento necessário em comparação com US$ 336 bilhões do cenário de referência, que considera as políticas já implantadas e os planos do Governo.
- A distribuição desse valor é: US$ 334 bilhões para energia; US$ 157 bilhões para o uso da terra, mudanças no uso da terra e florestas; US$ 141 bilhões para transportes e US$ 84 bilhões para manejo de resíduos.
- De acordo com o Cenário de Referência, são necessários cerca de 17 milhões de hectares adicionais de terras para acomodar a expansão de todas as atividades que envolvam o uso da terra durante o período de 2006 a 2030.
- Em um Cenário de Baixo Carbono, as emissões geradas pelo desmatamento que seriam evitadas corresponderiam a cerca de 6,2 GtCO2e (bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) no período de 2010-2030;
- No transporte regional, o estudo revelou um potencial de reduzir emissões em cerca de 9% em 2030, através da mudança de modais, tanto para o transporte de passageiros quanto de carga.
- Se forem implementadas as opções de baixo carbono, é possível remover 213 MtCO2e (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) da atmosfera em 2030.
- No setor energético, a adoção de opções de baixo carbono possibilitará reduzir para 297 MtCO2e em 2010, comparado com um Cenário de Referência de 458MtCO2e no mesmo período
- Na área de manejo de resíduos, a adoção de opções de baixo carbono possibilitará reduzir para 18MtCO2e em 2030, comparado com o Cenário de Referência de 99MtCO2e.
A partir das descobertas e apontamentos desses estudos, podemos concluir que incorporar as mudanças climáticas à agenda de desenvolvimento só trará benefícios para o país e possibilitará que o Brasil ocupe com legitimidade seu espaço de líder no cenário internacional, podendo exigir ações dos outros grandes emissores de gases de efeito estufa.
Negotiator Tracker - Juliana Russar
Juliana mora em São Paulo e sempre foi apaixonada por pol�tica internacional e desenvolvimento. Não por acaso, ela se formou em Relações Internacionais e fez especialização em Meio Ambiente. Desde 2007, tem acompanhado as negociações internacionais sobre mudanças climáticas ... leia mais»
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