Desafios

Posted on 07. Apr, 2011 by Juliana Russar in Brazil

Tem sido um desafio para mim acompanhar de longe as negociações de clima que acontecem na Tailândia essa semana. São 10 horas de diferença. Quando vou dormir o dia está começando em Bangkok e quando acordo a maior parte das horas úteis do dia já passaram por lá e minha caixa de e-mail está lotada de mensagens trocadas por pessoas que estão in loco e preciso voltar no tempo com a timeline do twitter para ver o que aconteceu. Devo dizer também que é sempre um desafio acompanhar as negociações ao vivo: à avalanche de mensagens somam-se várias reuniões acontecendo ao mesmo tempo, ter que ficar zanzando de um lado para outro, muito trabalho a ser feito.

Mas, o maior desafio de todos é o que propõem mais de 190 nações do planeta: produzir um acordo que satisfaça a todos, seja justo e ambicioso para enfrentar as mudanças climáticas. Como sabemos, não é nada simples e, desde 1995, os países vêm se reunindo com o objetivo de “alcançar a estabilização das concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera num nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático” em um “prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável”.

Se não fosse complexo, não estariam há quase duas décadas se encontrando várias vezes por ano e, se essas negociações não envolvessem tantos interesses e não fossem importantes, o número de participantes de diversos setores seria muito menor e não despertaria atenção da mídia.

O grau de complexidade é tão alto que passados três dos quatro dias dessa primeira rodada de negociação de 2011, os países-parte da Convenção-Quadro da ONU não conseguiram acordar a agenda para o restante do ano do AWG-LCA, grupo que discute ações de países em desenvolvimento e os Estados Unidos (que não faz parte do Protocolo de Quioto) no médio e longo prazo. Ou seja, passam os dias discutindo sobre o que discutir durante o ano. Parece uma discussão sem sentindo, porém é importante para saber o que os países querem e serão capazes de atingir em Durban. A proposta de agenda do G77 tem como base o Plano de Ação de Bali que cobriria elementos dos Acordos de Cancun e também inclui opções legais para o acordo que resultar dos trabalhos do LCA e a revisão sobre a meta global de redução de emissões a longo prazo. A proposta dos EUA, que também foi a proposta inicial do chair do AWG-LCA, é que a agenda inclua apenas elementos dos Acordos de Cancun, já que Durban tem que servir para implementar esses acordos, de acordo com a visão deles. Existe também uma proposta intermediária incluindo os Acordos de Cancun e o Plano de Ação de Bali, que implementaria os acordos e preencheria as lacunas como a gigatonne gap e fontes de financiamento, entre outras. Há também o debate sobre a necessidade ou não de um plano de trabalho: o G77 exige um, enquanto a União Europeia, por exemplo, não quer o estabelecimento de um para deixar o chair mais livre na organização dos trabalhos. Como vemos, a discussão de fundo é se, em 2011, os países devem focar na implementação dos Acordos de Cancun, prosseguir com as negociações sobre questões ainda não resolvidas ou os dois. Nesse penúltimo dia de negociações, o dia acabou com nada acordado e reunião informal a portas fechadas.

Já o AWG-KP, grupo que discute os compromissos futuros dos países do Anexo I (desenvolvidos), parece possuir uma agenda clara: chegar a um acordo sobre o segundo período de compromisso do Protocolo de Quioto (2CP) e acabar com as lacunas e brechas existentes. Tuvalu, um dos pequenos países insulares, apoiado por outros países em desenvolvimento afirmou que é necessário assegurar que haverá o 2CP e, que não falará sobre detalhes técnicos até isso ficar claro. Portanto, esse é o tema central do AWG-KP no momento. Um desafio e tanto, lembrando que Rússia e Canadá dizem não ter mandato para tomar decisões sobre esse assunto, a posição do Japão permanece nebulosa, outros países desenvolvidos exigem que uma série de condições sejam atendidas para que isso aconteça, 2012 se aproxima e os Estados Unidos e outros grandes emissores permanecem de fora das obrigações legais de redução de emissões. Esse último tema é o foco do LCA mas, como podemos perceber, está claramente ligado com o AWG-KP, pois o argumento do Japão para não fazer parte do 2CP é que esse tratado deixa de fora os maiores emissores de gases de efeito estufa e que todos os países deveriam fazer parte de um novo tratado. No entanto, os países em desenvolvimento temem perder o único instrumento legal que obriga os países desenvolvidos a reduzirem suas emissões. Talvez, o único aliado dos países em desenvolvimento seja a União Europeia. O chair do AWG-KP circulou uma lista de ideias e perguntas para orientar os trabalhos do grupo que podem ser lidas aqui.

Enfim, os desafios são muitos. Espero que o tempo seja suficiente para que sejam resolvidos.

P.S.: Recomendo a leitura de post da Afra Balazina sobre mudanças na delegação brasileira em 2011

P.S.2: Recomendo também a leitura do paper publicado ontem pelo Climate Action Tracker que, a partir das apresentações feitas nas oficinas em Bangkok, atualizaram sua base de dados e concluíram que com os compromissos atuais de redução de emissões o planeta caminha para um aumento médio de temperatura entre 3 e 4°C

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