Onde você queria estar?
Posted on 04. Dec, 2010 by Juliana Russar in Brazil
Como vocês devem saber pelo meu post anterior, vim para Cancún depois do início da CoP-16. Esses primeiros dois dias estão sendo particularmente difíceis para mim por causa do jet lag e de uma infecção intestinal que veio da Índia comigo (too much information?), além de ter que me familiarizar com o local quando todo mundo já está ambientado.
Cheguei muito ansiosa e agora estou me sentindo frustrada por perceber que não houve progresso nas negociações e que os mesmos assuntos de sempre continuam indefinidos. Ou seja, não perdi muita coisa. O grande assunto dessa primeira semana foi a declaração do Japão, logo na segunda-feira, de que não aceita uma decisão que prolongue o primeiro período de compromisso do Protocolo (2008-2012), nem o estabelecimento de um segundo período de compromisso. Ou seja, o Japão está defendendo a morte do próprio filho de 13 anos. Sorte que ele está sozinho nessa empreitada, apesar de haver alguns rumores de que Canadá e Rússia também queiram ser parceiros nesse crime. Eles são a favor de um novo acordo que inclua tanto países desenvolvidos quanto países em desenvolvimento.
Além disso, começaram a falar que o governo mexicano estava preparando um texto secreto, assim como aconteceu em Copenhague, mas isso está sendo constantemente negado pelos anfitriões e pelo secretariado da convenção de clima. Na plenária informal de balanço da CoP que aconteceu nesse sábado, Patrícia Espinosa, presidente da CoP, falou e repetiu para todos ouvirem: “não existe texto oculto”. Hoje à noite será oferecido jantar para os ministros, que já começaram a chegar em Cancún para o segmento de alto-nível, que será aberto na próxima terça-feira, dia 7. No jantar, o governo mexicano apresentará o texto que vem construindo coletivamente por meio de consultas. Amanhã, único dia que seria de descanso, ocorrerá uma sessão informal. O Brasil será representado pela ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira no segmento de alto nível, mas não sei ao certo se ela já chegou em Cancun e se estará presente nesse jantar.
Falando sobre o Brasil, na quarta-feira, o governo anunciou os números sobre desmatamento na Amazônia Legal. Pelo segundo ano consecutivo, foi registrada a menor área desmatada desde 1988, quando o monitoramento foi iniciado pelo Projeto de Monitoramento do Desflorestamento na Amazônia Legal (PRODES), do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). Entre agosto de 2009 e julho de 2010, foram desmatados 6,4 mil Km², uma queda de 13,6% em relação ao período anterior, antecipando as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Mudanças Climáticas em cinco anos. Esse assunto foi tema de uma matéria do ECO, que lembrou muito bem que todos esses esforços do Brasil em combater o desmatamento e reduzir as emissões do setor responsável pela maior parte das emissões do país podem estar ameaçadas pelas alterações do Código Florestal, conforme analisado por estudo publicado pelo Observatório do Clima na semana passada.
Taxa de desmate por corte raso na Amazônia (milhares de km2/ano)
Um último comentário que gostaria de fazer é sobre o local da conferência. Foi muito chocante chegar em Cancún após minha passagem pela Índia. Como muitos falam, as negociações de clima acontecem dentro de uma bolha. Dessa vez, a bolha está cercada por outra bolha que é Cancún. Nada aqui parece natural, tudo foi minimamente planejado para criar um cenário paradisíaco para turistas, em sua grande parte norte-americanos, passarem suas férias esquecendo a realidade, mas sem abrir mão de todas as comodidades do mundo moderno. Nesse paraíso, nenhum veranista quer pensar no aumento do nível do mar nem na acidificação dos oceanos pelo aumento da concentração de CO2. Dentro do hotel transformado em centro de convenção, o ar condicionado nos congela e a arquitetura das construções não privilegia a luz natural. Não dá nem para lembrar que estamos a poucos metros da praia. É um ambiente completamente artificial que me faz pensar: se nem essas pessoas que trabalham diariamente com mudanças climáticas estão dispostas a abrir mão de certos confortos e luxos, quem abrirá?
Onde você queria estar? Na praia sem pensar em nada ou num salão defendendo a implementação de medidas que assegurem que pessoas, principalmente as mais vulneráveis, possam viver em regiões litorâneas sem nenhuma preocupação?
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Natalie
Negotiator Tracker - Juliana Russar
Juliana mora em São Paulo e sempre foi apaixonada por pol�tica internacional e desenvolvimento. Não por acaso, ela se formou em Relações Internacionais e fez especialização em Meio Ambiente. Desde 2007, tem acompanhado as negociações internacionais sobre mudanças climáticas ... leia mais»
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